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ELIANE ACCIOLY
( Minas Gerais – Brasil )
Nasceu em Araguari – MG. Vive em São Paulo-SP.
É psicanalista e poeta, e atua nas artes plásticas.
Doutora em Comunicação e Semiótica, pela PUC-SP.
ANTOLOGIA ME 18. Mulheres Emergentes. Belo Horizonte: Anome Livros, 2007. 112 p. 14 x 205 cm Ex. bib. Antonio Miranda
A MORTE DO GATO
Enquanto o gato que me habitava morria,
(sete vidas espertas e bem vividas agora moribundas)
um espelho explode todo um planeta,
a noite escura abate minha alma:
que mais em mim quebrando se esvaia?
Como ficar sem os muros
as heras e unhas-de-gato
as noites de cios vadios
as brigas e a malandragem
os gritos nas madrugadas
as travessias de ruas?
Sem o vício por sardinha
sem as cumbucas floridas
entornando leito ou água?
Sem os dengos
sem as manhas
o novelo arrepiado
e a poltrona bege rasgada
de afiar vinte garras?
Como perder o poder
de fazer tremer e correr
ratazanas de baratas?
A oitava vida parte, lunar,
em tranças pretas e prata
Nenhum príncipe para me acordar
(mas também, nenhuma torre
de onde ser libertada)
A grande morte chegara?
Passada a quarentena
brotos de um verde tímido, os vigias guardiões,
me tiram da cidadela gritando uma notícia:
“ouça o poeta a forjar um dia mais
martela a bigorna,
não sons de cristal, ne de bronze,
as palavras — esteira de mil sinos —
acordam inteira uma cidade, escuta!”
Um último suspiro apaga a chama da pena de mim
secos os olhos, abro cortinas e persianas
com a força dançarina de mãos e braços,
e felina, (a isto não renuncio...)
espreguiço diante de um Sol acolhedor
a letargia sim espanto em uma cascata gelada
(coisa que gatão abomina)
Me penteio, escovo os dentes
visto velhas pantalonas
e descalça, preparo-me para rodar
mais algumas tantas milhas
por estreitas vigílias escarpadas, não mapeadas
A SURPRESA
O gato-maravilha que em mim morreu
muitas vezes retorna,
cara redonda e invisível
Sua sombra errante corre livre
na saudade de bandos vadios
arrepiando as ruas e as paredes
de meu corpo
Intumescente lábio de lua crescente
fixo só na aparência
ri de mim, Alice,
prisioneira dos contrários,
o país dos espelhos
onde me extravio
na aprendizagem banal de mágica
de ser sendo humana
*
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Página ampliada e republicada em abril de 2022
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